quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Vai um cozido de cachorro aí? Hábitos alimentares em Timor-Leste!

Para nós brasileiros, que temos em nossas cidades mais pet-shops do que padarias, é muito estranho saber que alguém pode alimentar-se de cães. Mas entre o povo maubere (timorense) esse é um hábito bastante comum.

Quando trabalhei ano passado, no distrito de Ainaro (120 kms de Dili), costumava perguntar aos habitantes do lugar se era verdade que eles se alimentavam de cachorros. Eles sempre sorriam e diziam que sim, e que entre as carnes essa era a mais saborosa. Na preferência deles a carne suína vem segundo lugar.

Então a curiosidade aumentou e fui saber a origem da carne canina que eles consomem. Pelo que fui informado os cachorros vão para a panela após serem atropelados e que nem sempre o atropelamento é uma obra do acaso. Fiquei imaginando que fato semelhante também acontece no Brasil, quando uma vaca é atropelada. Por exemplo, esse ano em Fortaleza (minha cidade natal e a quarta maior capital do Brasil), uma vaca atravessou uma pista de rolamento e foi atropleada por uma moto. Tanto a vaca como o motoqueiro morreram na hora, mas isso não foi nenhum empecilho para que uma multidão juntasse os pedaços do bovino.

A proprietária da casa que eu residia em Ainaro criava 5 cães, então perguntei se ela teria coragem de comer algum de seus cães, ela disse que não, porque eles eram parte da família, mas o do vizinho sim, ela teria coragem.


Até esse momento não sei se comi cachorro aqui, conscientemente não, mas em alguns lugares a carne que comi era um pouco suspeita.

Alguns me perguntaram se cães são criados aqui só com a finalidade de servir de alimento, ou se é possível comprar carne de cachorro em feiras livres. Só vi uma vez no mercado público de Ainaro, carne canina para vender. Quanto a se criar cães para servir de alimento, como se faz com bois, porcos e cabras, desconheço tal ação.

Preciso compartilhar alguns relatos sobre o assunto que colhi com alguns timorenses:

"Uma vez um homem e sua família queriam se alimentar de um cão, mas como não queriam matar o animal da forma usual, ou seja, com pauladas na cabeça, resolveram dar veneno para o animal. Segundo a crença local, de um animal que morre envenenado, não se pode comer as vísceras, que é onde se concentra o veneno. Acontece que a fome da família falou mais alto e comeram todo o animal, resultado, boa parte da família morreu envenenada."

"A carne canina é saborosa, porque é a que mais se assemelha com a carne humana"

"O cão substitui na ceia de natalina o Peru de Natal"

Segundo Aurélio Guterrez, para o blog Timor Crocodilo Voador, o costume de comer cães começou com a invasão indonésia, mas o motivo não se sabe. Os indonésios quando faziam suas patrulhas noturnas, irritavam-se com o fato dos cães uivarem, talvez porque isso dificultasse a patrulha ou porque não tivessem o costume de ter o cão como um animal de estimação. Talvez os próprios indonésios estimularam o consumo do animal.

Antes da chegada da Indonésia (1975), a base da alimentação dos timorenses era o milho e o arroz. Segundo Fábio Vinícius Pires da Silva, consultor do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Governo Brasileiro, a ocupação do país pela Indonésia, de 1975 a 1999, mudou os hábitos alimentares dos timorenses. Eles são cercados por mar, mas não comem peixe. A base da alimentação é o arroz. Segundo um estudo do PNAE, a alimentação escolar no Timor é muito precária. Não existe nutricionista, e a merenda é preparada por mães e voluntárias. As crianças comem basicamente arroz com “furumungo”, um tipo de feijão miudinho. Arroz, feijão, macarrão e leite condensado industrializado são a base do cardápio nas 860 escolas públicas e nas 121 particulares, do primeiro ao sexto ano.


43% da população timorense está inserida na faixa da insegurança alimentar, de acordo com o último censo no país, de 2004. Por isso, a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República Federativa do Brasil, que também integra a missão brasileira de ajuda ao Timor Leste, planeja incentivar a piscicultura. No começo do ano letivo de 2009, autoridades do Timor Leste responsáveis pelo programa da merenda devem visitar o Brasil para entender melhor o sistema nacional de alimentação escolar, que preserva no cardápio os hábitos regionais.

Embora o Timor tenha um razoável rebanho de búfalos e bois, não é um hábito entre eles comer carne bufalina e nem bovina, talvez pelo custo ou pelo gosto eles prefiram a carne de frango ou a de porco. Mas isso somente em pequenas porções semanais. O ovo também não entra no cardápio timorense e não é um hábito colocar-se a galinha para chocar e a maioria do ovo consumido é importado. O Timor também é rico em uma variedade de frutas (caju, manga, melancia, limão...), mas o consumo dessas, tanta na forma in natura como na forma de suco (sumo) também não é difundido entre os timorenses. A alimentação básica diária de uma família timorense se resume a arroz e algumas hortaliças locais.

Fiquei espantado também pelo fato deles não produzirem queijo e nem terem o hábito de tomarem leite. A explicação que me deram, foi que segundo a cultura deles, o fato de ordenhar as vacas causa o enfraquecimento das mesmas.

Morei ano passado aqui em Dili em uma casa onde a família timorense proprietária do imóvel era composta por 9 pessoas, e as idades variavam entre 30 anos a 3 meses. Conversando com o chefe da família, acabei convencendo-o que a ingestão de leite pelos mais novos, faria com que eles crescessem com os ossos fortes além de se desenvolver bem mais. Após seis meses, o efeito da ingestão do leite nas crianças já era bem visível. O dono da casa reclamava do alto preço do leite, mas já percebia que aquele "investimento" teria um retorno na saúde dos filhos. Fiquei feliz, porque acabei criando nele uma consciência positiva.

Referência: Ministério da Educação (MEC)